Tem governo que dá um trabalho…

31/12/2011 11:40

Autor: Silvio Queiroz (silvioqueiroz.df.@dabr.com.br)

A entrevista do embaixador Rafael Eldad, publicada na página ao lado, é bem ilustrativa dos dilemas e desafios com que a diplomacia israelense se debate em meio aos vagalhões da Primavera Árabe e as angústias da escalada político-militar com o Irã, sem falar no atoleiro do processo de paz (?) com os palestinos. Os mesmos temas estiveram presentes no encontro que o Ministério das Relações Exteriores promove em Jerusalém, anualmente, com seus embaixadores mundo afora. Na semana que termina, um dos consensos entre os cerca de 100 enviados que compareceram foi de que, se 2011 deu trabalho, 2012 promete ainda mais. Em boa parte pela percepção, que transpareceu nos bastidores do encontro, de que a política externa do atual governo se distancia cada vez mais das análises e observações produzidas pelo corpo diplomático profissional.

 O chefe da divisão de planejamento político do ministério, Eran Etzion, encarregado de uma das principais exposições feitas aos embaixadores e altos diplomatas, destacou a “tendência preocupante” a uma “erosão da relação especial que temos com os EUA”. Nada tão surpreendente para quem acompanhou as controvérsias entre o premiê Benjamin Netanyahu e Barack Obama. Mas, enquanto o chefe de governo saboreou o que lhe pareceu uma vitória, com o recuo de Obama na questão do Estado palestino, o cônsul israelense em Nova York, habituado a ler a mente dos americanos pelas pesquisas de opinião, observou que a imagem do país vai de mal a pior nos EUA, “em particular entre a população jovem e de formação mais elevada”.

A impressão, por sinal, é compartilhada pelos representantes israelenses na Europa, assim como está presente — com a discrição exigida pelos deveres de ofício — nas argumentações do embaixador Eldad. Ele faz eco, por exemplo, ao alívio dos colegas com o impasse na ONU em torno do pedido de reconhecimento do Estado palestino. Mas, assim como todo o corpo diplomático israelense, gasta o latim para explicar aquilo que, na exposição do chefe de planejamento, foi ilustrado com um “x” sobre a expressão “processo de paz”: se depender de Netanyahu e de seu chanceler, o ultranacionalista religioso Avigdor Lieberman, as negociações continuarão em ponto morto, pelo menos no ano que se inicia.

Inimigo à espreita
O Irã, que de certa maneira roubou aos palestinos o papel do “bicho-papão” no discurso israelense, promete tirar o sono do embaixador Eldad já nas primeiras semanas do novo ano. O presidente Mahmud Ahmadinejad, sempre imprevisível, faz mais uma incursão latino-americana, começando pela Venezuela, como de costume. Visitará também Nicarágua e Equador. Mas é para a escala em Cuba que se voltam as preocupações israelenses, em especial do setor de inteligência. O regime islâmico tem investido nas relações com a ilha, inclusive com um fluxo mais intenso de delegações e representantes oficiais. O Mossad diz ter captado indícios da movimentação de uma célula terrorista, supostamente conectada aos xiitas libaneses do Hezbollah, operando com cobertura diplomática iraniana.

Desta vez, Ahmadinejad não vem ao Brasil. Nem há sinal próximo de uma troca de visitas com Dilma. Mas também por aqui os diplomatas israelenses andam incomodados com a desenvoltura crescente da República Islâmica na vizinhança.

Saída pelo Oriente
Se o horizonte é nebuloso para os emissários de Israel na Europa e nas Américas, o encontro de Jerusalém mostrou um ânimo totalmente oposto entre os que ocupam postos na Ásia e na África. Citam como exemplo a China, com capital saindo pelo ladrão, importando anualmente cerca de US$ 2,5 bilhões de Israel. “Por que não chegamos aos US$ 10 bilhões?”, animou-se um embaixador. Além de mercados a conquistar, técnicos israelenses trabalham em opções para programas de cooperação nas áreas de saúde e agricultura, principalmente com países africanos.

Olha o trem…
E o Brasil, que também anda com capital para exportar, está dando mais uma tacada firme na África, uma das frentes que Lula cuidou com atenções de jardineiro em seus oito anos de governo. A Vale, que arrematou anos atrás uma importante jazida de carvão em Moçambique, acaba de conseguir o aval de Malauí para atravessar seu território, encravado no norte moçambicano, com o traçado de uma ferrovia por onde o minério escoará com destino ao litoral do Oceano Índico. O investimento previsto na obra é da ordem de US$ 1 bilhão. O carvão da mina de Moatize, de elevado teor energético, é de encomenda para a siderurgia e deve ser exportado principalmente para a China e a Índia.

 

Fonte: Correioweb, 31/12/2011