Sinal de alerta na vizinhança

20/09/2014 20:09

Autor: Silvio Queiroz

 

É com indisfarçada preocupação que uma parcela muito bem definida dos vizinhos sul-americanos e latino-americanos acompanha essas últimas duas semanas até o primeiro turno da eleição presidencial. Alguns chegam a prender a respiração. Embora seja quase residual o debate sobre política externa, na corrida pelo Planalto, os governos da região que apostam as fichas no processo de integração sabem que ele depende em boa medida da reeleição de Dilma Rousseff. Com mudança no governo, o Brasil deixaria de jogar o papel que tem jogado para a ampliação do Mercosul — que já admitiu a Venezuela e caminha para aceitar também a Bolívia — e a consolidação da Unasul e da Celac.

Nesse “eixo”, que se poderia chamar de “bolivariano”, já havia quem sentisse a falta da diplomacia presidencial vigorosa praticada pelo presidente Lula. Foi com o peso irresistível do próprio país, potenciado por seu prestígio pessoal, que ele formou com Hugo Chávez e Néstor Kirchner — ambos agora falecidos — a trinca que sepultou o projeto norte-americano da Alca. Desde então, sucederam-se intervenções como o respaldo a Manuel Zelaya, deposto pelos militares em Honduras, e articulações em defesa de Evo Morales, na Bolívia, ou de Rafael Correa, no Equador. Sem falar no respaldo indispensável a Chávez durante a queda-de-braço que desembocou no referendo que o confirmou na presidência da Venezuela.

Foi já no governo Dilma que o Paraguai foi suspenso do Mercosul, como punição pelo impeachment de Fernando Lugo, em movimento que possibilitou o ingresso da Venezuela. Mas os vizinhos não hesitam em ressaltar a diferença com o período em que Lula “enquadrou” Álvaro Uribe e levou a Colômbia a congelar os planos de ceder bases militares aos EUA. A costura, que rendeu a Uribe a contrapartida do compromisso formal e público dos demais governos de não reconhecer como legítima a guerrilha colombiana, foi a pedra fundamental para que estabelecesse o Conselho de Defesa da Unasul.

Irmãos camaradas
Embora fisicamente mais distante, Cuba acompanha em estado de semialerta o desfecho da disputa naquele que considera um parceiro essencial para o programa de reformas econômicas empreendido por Raúl Castro. Foi no Brasil que se reuniu a primeira cúpula da América Latina e do Caribe, antessala para a Celac — e também para a revogação, na OEA, da resolução que excluiu a ilha do sistema interamericano, em 1962. Em Havana, porém, o governo Dilma tem o crédito adicional pelo papel desempenhado na ampliação do Porto de Mariel, com custos inclusive para sua campanha à reeleição, já que o financiamento do BNDES à construtora brasileira contratada para as obras ofereceu munição fácil aos adversários.

Se no governo Lula o chanceler Celso Amorim definiu como objetivo de política externa tornar o país o principal parceiro latino-americano de Cuba, com Marina ou Aécio no Planalto a relação tende a esfriar.

Conselho da tribo
Líderes da esquerda latino-americana estarão em Quito, no início da próxima semana, para uma reunião convocada sob o lema de barrar o “retorno da direita” na região. O encontro coincide com a semana final de campanha para o primeiro turno no Brasil, mas também estarão na mira a Bolívia, que tem eleições gerais uma semana depois, e o Uruguai, que escolherá o sucessor de José Mujica em 26 de outubro — o mesmo dia do segundo turno por aqui. Doris Soliz, dirigente do Aliança País, o partido do presidente Rafael Correa, definiu a iniciativa como “um encontro internacional contra a restauração conservadora e por nossos processos de mudança”.

Deu no Pravda
Um dos principais diários da Rússia — e, por ironia, o título que pertenceu por décadas ao Partido Comunista da hoje extinta União Soviética — dedicou à eleição brasileira um longo e inusual artigo, com destaque na página de abertura da edição on-line. O texto passeia pelas teorias de conspiração sobre um “complô da CIA” no acidente que matou Eduardo Campos e fez de Marina Silva a candidata do PSB. Mais sintomática, porém, é a atenção para com as posições da presidenciável sobre o Brics e a crise na Ucrânia: em ambos os casos, contrárias às de Dilma e no mínimo desconfortáveis para o Kremlin.

Olho na tela
O bloco dos emergentes, por sinal, é tema de uma série de cinco documentários que a Band News apresenta a partir desta segunda-feira, sempre à meia-noite. Brics — a nova classe média focaliza o cotidiano da “classe C” de cada um dos cinco países que formam a sigla (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A reportagem da produtora Cine Group procura responder à questão de como as ações dos cinco governos, como a recente criação de um banco de desenvolvimento, decidida na cúpula de julho, em Fortaleza, afeta sociedades tão distintas. “As pessoas não têm essa dimensão, mas as decisões do Brics afetam o dia a dia delas em muitos fatores. Por exemplo, com obras de infraestrutura”, afirma o diretor da Cine Group, o jornalista Carlos Alberto Jr.

 

Fonte: Correio Braziliense, 20/09/2014