Las brujas

16/08/2012 19:14

Autor: Gustavo Adolfo Franco Ferreira,

 

            A máxima é popular, mas parece ter um fundo de verdade. Dizem que “ela” aparece em agosto, mês do cachorro louco. Não sei...”Ela” tem olhos em quase todos os painéis de aeronaves. Uma das lâmpadas de aviso, normalmente a de pressão de combustível, chama-se “olho-da-bruxa”. Ela está sempre “de olho”!

            Yo no creo em brujas. Pero que las hay, las hay!

            Quem são “as bruxas?” Elas são um caldeirão existente em cada um de nós: nossas capacidades e nossas incapacidades, nossas fortalezas e nossas fraquezas, nossos estudos e nossas omissões no estudo, nossas atenções e nossas desatenções. Elas também estão dentro das nossas aeronaves, nos sistemas, nos comandos, nos sensores, nas amplitudes de deflexão, nas sombras aerodinâmicas que umas partes lançam sobre outras, nas manutenções. Mas não é só: as bruxas também habitam os pátios, as pistas, os hangares, os escritórios dos Chefes de Operações e dos Despachantes Operacionais de Voos. Elas vivem junto às forças meteorológicas. E, mais ainda, as bruxas habitam o próprio corpo e mente de cada indivíduo que exerce alguma atividade aérea. Ah, ia esquecendo, as bruxas também habitam os programas de computador que atualmente dominam certas cabines de controle de aeronaves!

            No solo las creo. Las hay!

Sobre o voo AF 447  

Chegaram a uma conclusão final: culpa dos pilotos! Vilania! Dizem que os tubos de Pitot congelaram. Isso é verdade. Os dados de tubos Pitot congelados modificam todas as indicações que dependem da relação entre as pressões dinâmica e estática, notadamente todos os instrumentos capazes de relacionar a posição da aeronave com a massa de ar que o envolve. Inseridos e processados no computador central, este não soube codifica-los! Os dados exibidos aos pilotos foram falsos. A iniciativa dos tripulantes em atuação não podia ser outra: desligaram o piloto automático. À noite, sem visibilidade externa, na presença de forte turbulência, sem indicações dos instrumentos, nada puderam os tripulantes: o computador central lhes negou o direito! Mais adiante, o relatório final descreve que os tripulantes não souberam quebrar o estol que estava instalado. Ora, façam-me o favor! A culpa não é deles, é da instrução a que foram submetidos. Não identificaram uma situação de estol simplesmente porque a aeronave não lhes dava as informações mínimas indispensáveis! A memória me faz lembrar um acidente inicial do Airbus A320 em 1988, que varou a pista inteira vindo a colidir num bosque ao final. Aqui, como no AF 447, os tripulantes eram passageiros.

 

Sobre a entrevista do Major Brigadeiro Aviador (R/R) Kersul.

 

            Recentemente, realizou-se em São Paulo uma reunião preparatória sobre o futuro do SIPAER (Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos). Na véspera, o brigadeiro Kersul manifestou-se de público por meio do portal G1. Cabe relembrar de quem se trata: foi o oficial que coordenou o resgate e despojos possíveis da colisão de 29 de setembro de 2006, sobre a Amazônia, entre um Boeing 737-800 da Gol e um Embraer Legacy da ExcelAire. Na direção do CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), fez a investigação do acidente de 17 de julho de 2007 do Airbus A320 da TAM, em Congonhas. Coordenou a parte nacional da investigação do acidente do voo AF 447. De tudo que disse o oficial-general de vasta experiência, ressalta a opinião de que “a investigação de acidentes aeronáuticos envolvendo aeronaves civis” (e, portanto, sob a égide da ICAO – International Civil Aviation Organization) “deve ser realizada por outra organização que não o CENIPA”.

            Ele está absolutamente certo! Está nos procedimentos da ICAO que os atores de um inquérito – serão independentes de todas as forças direta ou indiretamente envolvidas em qualquer fase das operações aéreas. Ora, o CENIPA é diretamente subordinado ao Comando da Força Aérea Brasileira. Não se deve esquecer, jamais, a adesão irrestrita dos militares à hierarquia e à disciplina, complicadores no caso das investigações de acidentes aeronáuticos havidos com aeronaves civis.

            Uma questão que se apresenta não pode ser esquecida: em agosto de 2009 o Comando da Força Aérea recebeu a informação da criação da OBSERVO (Organização Brasileira de Segurança de Voo). Esta se propunha a realizar, e de fato vem realizando, a investigação de acidentes aeronáuticos com aeronaves civis, sem o ônus da subordinação hierárquica que afeta o CENIPA. A mesma informação foi transmitida ao chefe da Secretaria de Aviação Civil do Ministério da Defesa, antecessora da atual Secretaria da Aviação Civil da Presidência da República. Agora, vários anos depois, o nobre oficial-general adota a mesma posição, que já lhe havia sido informada pelo seu comandante.

            Urge a total independência dos investigadores de acidente aeronáuticos, para o estabelecimento das verdades factuais de cada ocorrência.

 

Gustavo Adolfo Franco Ferreira é tenente-coronel aviador reformado da FAB. É especialista em Segurança de Voo.

 

Fonte: Revista Forças de Defesa, nº 005.